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Quem é Dominic Cummings?

por antipulhítico, em 29.01.20

 

http://visao.sapo.pt/atualidade/2019-10-05-Quem-e-Dominic-Cummings-o-genio-do-Brexit-?fbclid=IwAR0rqheIGNhJ9pJetlBsWvc0838eePiueLbXG6Wr6ZLq05wHvuEvXo2LVNY 
  TOLGA AKMEN

Em 2016, convenceu a maioria dos britânicos a abandonarem a União Europeia. Agora, quer acabar o trabalho o quanto antes e não olha a meios para ser bem-sucedido. Quem é Dominic Cummings, o estratega que aconselha Boris Johnson e define as políticas de Londres?

Filipe Fialho

FILIPE FIALHO

Jornalista

“Já tivemos chefes de Governo que eram muito chegados aos seus conselheiros, mas nunca pessoas que parecem controlar o trabalho dos ministros. Ele comporta-se como um autêntico vice-primeiro-ministro. É como se o Reino Unido estivesse a ser governado por alguém que não foi eleito.” O aviso é de um dos mais prestigiados académicos britânicos, Timothy Paul Bale, professor na Universidade Queen Mary, em Londres. Quanto ao alvo do seu comentário, dá pelo nome de Dominic Cummings, o todo-poderoso estratega e conselheiro especial de Boris Johnson, o primeiro-ministro do país.

Comecemos por um recente incidente, no interior do número 10 de Downing Street, para que se fique a perceber do que é capaz esta personagem nascida há 47 anos, em Durham, no Norte de Inglaterra. No final da tarde de 29 de agosto, Sonia Khan, principal conselheira do ministro das Finanças, é chamada para uma reunião urgente na residência oficial do chefe de Governo. Ao entrar, é imediatamente acompanhada para uma sala onde a esperava Dominic Cummings. Este último, frente a vários outros assessores, acusa-a de ser uma “traidora” e de promover fugas de informação para a Imprensa. Surpreendida e sem capacidade de resposta, Sonia obedece ainda quando lhe são pedidos os seus dois telemóveis – um para os contactos oficiais, o outro para os pessoais. Com os aparelhos desbloqueados, Dom – como também é conhecido, embora haja cada vez mais gente a chamar-lhe Darth Vader – começa a inspecionar as listas de chamadas. Alguns minutos depois e com a tensão ao rubro, o estratega do primeiro-ministro diz-lhe que ela está despedida. Motivo: andou a falar com elementos da equipa de Philip Hammond, o ex-ministro das Finanças e deputado conservador que tem sido um dos rostos da oposição interna a Boris Johnson e que defende uma saída negociada com a União Europeia.

Sonia Khan ainda tenta defender a sua honra e explica que se limitou a falar com um antigo colega de trabalho e amigo. Em vão. Aos berros, Cummings explica-lhe que a decisão está tomada e que ela pode arranjar outro emprego. Mas o incidente, relatado com todo o pormenor pelos órgãos de comunicação social britânicos, não acaba aqui. Com ar enlouquecido, Dom decidiu igualmente chamar um elemento da Scotland Yard para acompanhar Sonia Khan até à rua. As várias testemunhas nem queriam acreditar: “O que ele anda a fazer é nojento. Pavoroso!”, afirmou ao diário The Guardian alguém que preferiu não se identificar por razões óbvias. No dia seguinte, foi a vez de o ministro das Finanças, Sajid Javid, ir pessoalmente a Downing Street pedir satisfações a Boris Johnson, manifestando a sua indignação por ninguém lhe ter dito nada sobre Sonia Khan e por entender que Dominic Cummings está “fora de controlo”. Claro que o protagonista desta história saiu incólume de todo o processo, apesar dos numerosos protestos. Um antigo diretor da Scotland Yard, Dal Babu, afirmou que deveria haver uma investigação ao que se passou a 29 de agosto, com vários dirigentes conservadores e da oposição a partilharem a mesma opinião e a denunciarem a “cultura do medo” e o “reino de terror” instituídos pelo antigo e brilhante estudante de Oxford. O mais curioso é que tudo isto era mais do que previsível. Em meados de julho, Boris Johnson contratou Dominic Cummings com a missão de consumarem o divórcio com a União Europeia até 31 de outubro, de neutralizarem Nigel Farage (o eurofóbico líder do Brexit Party) e de esmagarem Jeremy Corbyn e o resto da oposição, na eventualidade de haver eleições legislativas antecipadas. O desafio foi logo aceite por Dom mas, tal como fizera em 2016, quando o incumbiram de chefiar a campanha do Leave, exigiu liberdade total para fazer o que lhe desse na real gana – com um pormenor adicional. Além de autonomia nas decisões, exigia ainda fidelidade incondicional. E, como a maioria dos jornais britânicos informou no final de julho, a primeira reunião organizada por Cummings em Downing Street serviu para ele transmitir uma mensagem muito clara a todos os colaboradores: “Quem discutir as minhas decisões pode considerar-se despedido.” A sorte de Sonia Khan demonstra que ele aparenta ter muitos e grandes defeitos, mas é um homem de palavra.

AS PAIXÕES RUSSAS

Filho de um engenheiro e gestor da indústria petrolífera e de uma professora, Dominic Cummings fez uma estranha opção de carreira quando terminou os seus estudos em História Antiga e Contemporânea. Entre 1994 e 1997, viveu e trabalhou na Rússia, onde se apaixonou pela língua e pelas obras de Dostoiévski, de Tchékhov e, sobretudo, de Tolstói – sabendo de cor páginas inteiras do romance Anna Karenina. O seu percurso em Moscovo está envolto em algum mistério, mas tudo indica que foi um dos muitos estrangeiros que aproveitaram a implosão da União Soviética para se lançarem nos negócios e faturarem à custa do caos reinante durante a presidência de Boris Ieltsin. É também esta herança russa que leva muitos dos seus detratores a chamarem-lhe Beria – devido a Lavrentiy Beria, antigo chefe da polícia secreta estalinista e um dos maiores torcionários do período soviético.

No entanto, quem melhor conhece Dominic Cummings afiança que uma das suas figuras inspiradoras é o coronel John Boyd, um antigo piloto da Força Aérea dos EUA. Também apelidado The Mad Major Genghis John, este antigo conselheiro do Pentágono era uma figura carismática que lidava mal com a autoridade, mas que influenciou milhares de militares e de gestores com as suas teorias sobre como se deve reagir a um determinado acontecimento para derrotar os adversários, nomeadamente o conceito de OODA Loop (do modelo ou ciclo, em inglês, “Observe Orient Decide Act”). As noitadas promovidas nas últimas semanas por Cummings, às vezes regadas a cerveja, retratam igualmente o espírito de corpo e o ambiente de caserna, com ele a exigir que os outros assessores lhe respondam com um sonoro “Yes, sir” e renunciem a horas de sono e ao tempo com a família. Aliás, a 15 de agosto, num perfil que lhe foi traçado por The Telegraph, explica-se que ele quer dedicação exclusiva para a sua missão ser bem-sucedida e que está disposto a abdicar de fins de semana, folgas e qualquer descanso até o Reino Unido estar formalmente fora da União Europeia. Uma regra que se aplica não apenas a si como a todos os que com ele têm de trabalhar. Ou seja: é uma pessoa metódica, incansável, inteligente e maníaca. Traços que já exibia em Oxford e que levavam alguns seus companheiros a alvitrarem-lhe grandes voos futuros: “Já se percebia que ele tinha de fazer alguma coisa maluca, como ser ditador num qualquer país distante.” No entanto, ainda de acordo com The Telegraph, um antigo professor de Dom, Michael Hart, recorda-o como um “aluno muito esperto” que não era exatamente obsessivo, antes alguém “muito determinado”.

 

OS SUBSÍDIOS E OS INSULTOS

O currículo de Cummings atesta-o. Ele não se move por cargos, dinheiro ou honrarias. E não perde nunca uma oportunidade para dizer o que pensa, doa a quem doer. No início do século, quando se tornou um verdadeiro spin doctor (consultor político), deu mostras do seu euroceticismo e aceitou trabalhar para o então líder do Partido Conservador, Iain Duncan Smith. O seu objetivo era combater o governo trabalhista de Tony Blair e impedir que Londres abdicasse da libra e desse luz verde à substituição da moeda britânica pelo euro. Foi bem-sucedido, mas demitiu-se logo a seguir e assinou uma coluna de opinião a explicar que Duncan Smith era um “incompetente” e que, caso chegasse ao poder, seria “um primeiro-ministro ainda pior do que Blair”. O desemprego e o tempo livre levaram-no a passar largas temporadas na quinta da família, em Durham, onde aproveitou para estudar, ler e aprofundar os seus conhecimentos de russo e de matemática. Sabe-se agora que, no último quarto de século, a dita propriedade recebeu mais de 235 mil euros em subsídios agrícolas da União Europeia, mas que isso nunca alterou a postura anti-Bruxelas de Cummings.

Em 2007, acabava-se o retiro em Durham e Londres voltava a chamar Dominic. Desta vez, o convite era feito por Michael Gove, um antigo militante trabalhista que mudou para os tories quando frequentava a Universidade de Oxford, onde conheceu Boris Johnson e David Cameron. Três anos depois, Gove era ministro da Educação, e Cummings o seu principal assessor e chefe de gabinete. Uma oportunidade única para mostrar o que valia. As suas opiniões e comentários faziam com que o seu sucesso fosse proporcional às inimizades que ia alimentando. Desbocado como sempre, descrevia sindicatos, professores e funcionários públicos, em geral, como “the blob” – ou “amiba”, numa referência ao filme de ficção científica homónimo, estreado em 1958, no qual entrava Steve McQueen e cuja história se resumia a um ser extraterrestre e gelatinoso que invade o planeta e engole a civilização. Uma vez, desafiou diretamente uma proposta do vice-primeiro-ministro, o liberal democrata Nick Clegg, ao dizer publicamente que ele bem podia esperar sentado até haver refeições gratuitas nas escolas. 
O facto de nunca se ter inscrito como militante do Partido Conservador também lhe permitiu criticar impunemente vários dirigentes tories, como é o caso de David Davis, também ele um eurocético dos quatro costados, acusado por Cummings de ser um “bronco” e “preguiçoso como um sapo bexigoso”. Mimos pelos quais acabaria por pagar caro, com o primeiro-ministro David Cameron a dizer, em 2014, que Dominic era um "psicopata de carreira". O assessor veio a demitir-se mas, curiosamente, nunca se conheceram pessoalmente.

PRONTO PARA NOVO REFERENDO

O ambiente de crispação dentro dos tories por causa da União Europeia acabou por baralhar os planos de Dominic passar mais tempo com a mulher, a aristocrata Mary Wakefield, editora da revista, quase centenária, The Spectator. E no início do verão de 2016, acaba por saborear a maior vitória política da sua vida. No referendo realizado a 23 de junho desse ano, 51,8% dos eleitores britânicos (17,4 milhões de pessoas) votam a favor do Brexit. É o corolário de uma campanha de praticamente um ano em que ele, como diretor, usou de todos os truques para alcançar a vitória. O famoso slogan “Take back control” (“Retomemos o controlo”, do Reino Unido entenda-se) é da sua autoria, tal como a decisão de pôr autocarros vermelhos pelo país a informar que Londres pode e deve deixar de pagar à União Europeia 350 milhões de libras por semana, para que esse dinheiro seja investido no NHS, o sistema nacional de saúde (público). Pelo meio, ainda espalhou rumores absurdos – como a possibilidade de 70 milhões de turcos entrarem no Reino Unido face à iminente adesão de Ancara à UE. No entanto, como várias investigações acabariam por demonstrar, Dominic Cummings contou com a preciosa ajuda de empresas especializadas em big data (sobretudo a AggregateIQ ) que o ajudaram a seduzir e a mobilizar eleitores indecisos e mal informados, através das redes sociais. Por outro lado, a campanha do Leave foi formalmente acusada de ter violado as regras de financiamento eleitoral, ao ter ultrapassado o patamar máximo de sete milhões de libras, através de expedientes ilícitos e de doações que continuam por explicar. Como se não bastasse, Cummings foi ainda acusado de desobediência pelo Parlamento, em março, por se recusar a prestar esclarecimentos sobre os seus métodos políticos. O spin doctor, que é também admirador de Sun Tzu e de Bismarck, alega estar inocente e nega, por exemplo, ter contado igualmente com o auxílio da Cambridge Analytica, a famosa empresa que geriu clandestinamente milhões de dados e de perfis do Facebook. No entanto, não deixa de ser espantoso que o desempenho de Cummings, nas últimas seis semanas, coincida com as novas divisões entre os habitantes do Reino Unido por causa do Brexit. O país, no entender de muitos analistas, está a viver a pior crise constitucional dos últimos 350 anos, e há uma forte possibilidade de tudo isto se prolongar. É que Dominic Cummings é um verdadeiro “engenheiro do caos” – expressão do ensaísta italiano Giuliano da Empoli – e basta ir ao seu blogue para o perceber. No texto que aí publicou a 27 de março, intitulado As ações têm consequências, adverte os seus adversários de que está pronto para um novo referendo e que eles continuam sem perceber o que lhes aconteceu nos últimos três anos: “Vencê-los de novo e por uma vantagem maior será mais fácil do que em 2016.”

6 factos incríveis sobre Dominic Cummings

A cada dia que passa, o principal conselheiro e estratega do primeiro-ministro britânico alimenta polémicas. E é cada vez mais óbvio que ele se está a divertir no cargo que ocupa há pouco mais de dois meses

1.Margaret Thatcher, a antiga primeira-ministra do Reino Unido (1979-1990), costumava dizer que os "conselheiros servem para aconselhar, os governantes servem para governar". Dominic Cummings é o caso típico de alguém que é muito mais do que um spin doctor. É ele que define de forma clara a estratégia de Boris Johnson, o atual líder do Governo britânico. Aliás, é por isso que vários dirigentes do Partido Conservador e da oposição já exigiram a demissão de Cummings.

2. Devido à influência de Cummings, o primeiro-ministro Boris Johnson decidiu afastar no final de setembro dois conselheiros históricos do Partido Conservador, sir Lynton Crosby e Will Walden. Para os meios de comunicação social britânicos não há quaisquer dúvidas: Boris já só aceita dicas de duas pessoas: a namorada, Carrie Symonds, e Dominic Cummings.

3. O estratega mor do Governo britânico tem sido comparado a Rasputine, o místico e polémico conselheiro do último czar da Rússia, mas os tablóides e o resto dos media usam outras alcunhas para Dominic Cummings: Darth Vader, o vilão da saga Star Wars; The Mekon, a personagem malvada de uma banda desenhada dos anos 60 do século passado; e Beria, o líder da antiga polícia política soviética, no tempo de Estaline.

 

4. A 3 de setembro, enquanto Boris Johnson anunciava aos deputados britânicos a suspensão do Parlamento durante cinco semanas para impor um hard Brexit e formalizar a saída da União Europeia a 31 de outubro, Dominic Cummings decidiu aparecer e circular de forma provocadora nos corredores parlamentares, de copo de vinho na mão.

5. Na primeira semana de setembro, Cummings terá confessado a alguns amigos e colaboradores que só votou uma vez na vida: no referendo de junho de 2016, em que 52% dos britânicos se manifestaram a favor de uma saída do país da União Europeia.

6. Apesar do Supremo Tribunal ter considerado ilegal a decisão do Governo de suspender o Parlamento e de uma série de outros revezes políticos, Boris Johnson permanece fiel à estratégia definida por Cummings: saída formal da UE no dia das Bruxas, convocar eleições legislativas antecipadas e, se necessário, realizar um novo referendo sobre a UE. O estratega que criou o novo slogan usado pelo Executivo, Get Brexit done (vamos fazer acontecer o Brexit), está convencido que pode esmagar a oposição numa eventual ida às urnas e as sondagens dão-lhe razão. Os tories levam dez pontos de vantagem sobre a oposição, o partido ganhou mais de 25 mil novos militantes desde o início do verão e as doações e os financiamentos estão a crescer a um ritmo nunca visto nos últimos anos.

 



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