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O que é que acham?
Manuel Loff
Público, 9.4.2020
Depois dos primeiros bombardeamentos alemães de 1940, Churchill visitou os bairros populares do East End londrino. Para animar as mulheres que salvavam o que podiam das suas casas destruídas, gritava-lhes um sonoro "Nós aguentamos!" Indignadas, elas responderam-lhe: "Pois, mas quem aguenta somos nós!" Eram operárias que, sem casa e refugiadas com as famílias nas estações do metro, continuavam a trabalhar para o esforço de guerra enquanto as upper classes dos bairros ricos se tinham retirado para as suas casas de campo. Churchill percebeu que o melhor era não repetir a visita...
Banalizou-se entre nós a metáfora da guerra para descrever a atual pandemia, alimentando um novo imaginário moral que se tornou hegemónico: o de que todos estamos irmanados na mesma luta, uns mobilizados como soldados no combate, outros, confinados em casa (mais de 90% da população), gratos a quem luta por nós lá fora, obedientes no cumprimento do confinamento e de um teletrabalho frequentemente inadequado e, quando implica prestação de serviços à população (por exemplo, na educação), socialmente discriminatório para com a metade da população cujo acesso à internet é nulo ou precário.
Este discurso moral da guerra democrática porque ataca a todos por igual encerra dois graves equívocos. Esta não é uma guerra, nem são soldados os trabalhadores que, na saúde, nos cuidados sociais, na produção e distribuição alimentar, nos transportes, na manutenção de serviços básicos, asseguram os bens essenciais àqueles que se confinaram em casa (porque puderam ou a tal foram obrigados) e nela trabalham. Quando lhes agradecemos e as aplaudimos (sim, são mulheres a maioria de quem assegura este esforço), lembremo-nos que Marcelo, governo e a grande maioria do Parlamento lhes retirou o direito à greve por entender que o que elas fazem é estratégico. Quem votou este estado de emergência reduziu-as todas a soldados: querem que desempenhem obedientemente as suas funções. Mas nenhuma delas é um soldado; todas são profissionais dedicadas, com deveres mas também com direitos que deviam ter sido mantidos intactos: segurança no trabalho, equidade na retribuição do esforço, direito à greve, claro, quando tudo atrás não for respeitado. Só o medo explica que a grande maioria dos portugueses pareçam aceitar como inevitável perder o direito ao protesto organizado, como se esse fosse o preço a pagar pelo alívio que sente por poder desempenhar as suas tarefas a partir de casa.
Esta pandemia é tudo menos democrática! Não só porque afeta sobretudo, já sabemos, os mais frágeis, porque idosos ou portadores de doenças crónicas, mas também porque a doença nunca é socialmente igualitária. Os pobres que fazem parte de grupos de risco têm uma qualidade de vida significativamente inferior e uma morbilidade muito superior à daqueles que não são pobres. E pobres, em Portugal, é o que mais há, e o que mais vai haver: 320 mil desempregados, mais 552 mil em layoff, que perderam já 1/3 do seu salário. Quantos despedimentos se estão a fazer, sem qualquer interdição legal, entre mais de um milhão de contratados a prazo, a recibos verdes, em subemprego a tempo parcial?
Quem repete diariamente que a prioridade absoluta é vencer a covid-19, e só depois enfrentarmos as novas batalhas, não invisibilize a pandemia da pobreza que se expande ao mesmo tempo que a do coronavírus. Ela vai ser muito mais longa, e provavelmente muito mais dolorosa. Estamos a entrar na maior crise económica e social mundial desde 1929, ou até desde há 150 anos. A última parecerá uma brincadeira comparada com a crise perfeita em que já estamos: de consumo e de produção, em simultâneo; já não se compra e, antes ainda do grosso das falências, também já não se produz. Mais de 80% dos trabalhadores a nível mundial vivem em países afetados por medidas de confinamento, diz a OIT. Se governos e a grande maioria dos cidadãos entender que não se deverá retomar a atividade produtiva antes de assegurado o não-contágio, a situação prolongar-se-á (mais surto, menos surto) até ao verão de 2021. Lembra-se de quando se achava que isto eram 15 dias, um mês, e depois tudo voltava ao normal?
Quem apoia o estado de emergência contra a pandemia, não finja, pelo menos, que não viu a devastação social que aí vem. Que assegure a socialização das consequências. Que devolva os direitos que roubou. Sem eles, não há resistência efetiva contra crise alguma.
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